Vida

Uma homenagem às vítimas do Covid

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Como lidar com o grande número de vítimas do Covid? Qual o sentido do sofrimento? Uma análise filosófica sobre os tempos sombrios que vivemos.

Não gostaria que esse artigo fosse uma lamúria que causasse desalento ou tristeza durante a leitura. Simplesmente, minha sincera e afetuosa homenagem àqueles que deixaram esse mundo por conta do vírus Covid-19. Grata homenagem porque as vítimas do Covid trouxeram presente, e muito intimamente próximo, o tema da morte. Pensar na morte não é um desespero. Afinal, é a única certeza que temos na vida. O nosso dia está para chegar. Quando? Ninguém sabe. Isso é o mais curioso. A maior certeza e, ao mesmo tempo, a maior dúvida.

A morte se fez mais companheira nesse momento. Todos os dias, as manchetes dos jornais nos chamam a atenção para o número de mortos no País e no mundo. Mensagens de amigos e familiares informam tristemente sobre parentes infectados, manifestando preocupação, dor, perplexidade. Muitas manifestações de pesar carregam comentários interessantes, algumas biografias encantadoras de almas elevadas, episódios de solidariedade às famílias, pedido de orações…

Qual o sentido do sofrimento?

Tudo isso nos leva a uma reflexão profunda sobre o sentido da nossa vida. De onde viemos e para onde vamos. Dor, abandono, falta de sentido e de razões para lutar pelo bem, pela vida que amamos, pelo futuro que sonhamos. Mais ainda, questionamos a excelência que buscamos, o sorriso nessa habitual situação de instabilidade na qual transcorre a nossa existência. Nossa meta voluntarista será enfrentar a dor para ver quem vai dar a última palavra. Mas esse esforço pode ser vão se não olhamos para a dor como um sentimento de alerta, como um convite à reflexão.

Em “A Gaia Ciência”, Nietzsche valoriza a dor como uma via que pode tornar os homens mais fortes. O homem da modernidade carece de uma experiência da dor que teria o caráter de uma “formação”, lidando com meras picadas de mosquito (sic), como se fossem grandes dores. E fecha o seu raciocínio fazendo uma crítica ao homem do seu tempo, afirmando que tornou-se pusilânime por não ter se habituado a enfrentar a dor. De outro modo, a nossa vida seria desprezível, não vale a pena viver. Pode-se chegar a captar um “sentido para a dor”?

Se pensamos bem, concluímos que nos falta paciência. A raiz da palavra vem do latim patiens (particípio presente de patior) e significa saber sofrer. A palavra paixão tem também a mesma origem latina. Daí que não há amor que perdure se não se aprende a sofrer. A escola do sofrimento é um atalho para as grandes conquistas da vida. Por isso, o melhor bem que podemos dar aos nossos filhos é ensiná-los a valorizar as coisas que custam.

Um grande autor que conheci na adolescência escreveu um poema que jamais esqueci. Dizia mais ou menos assim: quando a mão sente a picada dos espinhos, os olhos contemplam rosas esplêndidas, cheias de aroma. Não somos insensíveis aos sofrimentos alheios, nem frios diante dos nossos. O que precisamos muitas vezes é saber qual o sentido de tudo isso. O vírus só trouxe vítimas do Covid, desgraça e dor ou haveremos de conhecer coisas maravilhosas que acontecem ao mesmo tempo? 

Algo de novo e surpreendente paira no ar

Havia muito tempo que não observava tamanho interesse pela reflexão, por valorizar as pequenas coisas da vida, por um novo e profundo despertar da religiosidade, da vida em família. 

Saber valorizar o sofrimento para tirar disso frutos saborosos. Uma maior união entre as pessoas, uma maior solidariedade, uma maior amizade com aqueles que visitamos pouco. Até mesmo, sofrer juntos, sorrir juntos ou rezar juntos. Para que corremos tanto, se não temos tempo ou “paciência” para olhar os que estão à nossa volta, talvez imersos no maior dos sofrimentos que é a solidão?

O paradoxo consiste em que fugindo da dor voltamos a encontrá-la ali, onde não esperávamos: na nossa própria fragilidade e insatisfação ante as dificuldades corriqueiras da vida.  As queixas diante delas amplificam os problemas. Questões ridículas parecem se tornar insuportáveis quando faltam motivos para sofrer, e nos deixam inermes diante da dor. Nossa cultura tornou-se deliberadamente cega para a dor. Fugimos dela, odiamos ela. Queremos substitui-la, de qualquer modo, pelo prazer, pelo que não incomoda.

Uma sociedade que procura abolir o sofrimento, quando chega ao limite mais distante no qual não pode mais eliminá-lo e advém a desgraça, não tem mais nada a dizer, permanece muda. A eutanásia é a lógica consequência de uma opinião particular sobre a vida. Quando já não se pode deter o sofrimento, se acaba com a vida, pois uma tal existência não tem sentido. A dor é o martelar do artista que quer fazer de cada um de nós, dessa massa informe que somos, uma pessoa melhor, mais lapidada, mais lavrada, com contornos mais nítidos e com uma beleza interior própria das almas excelentes. Aprendamos a elevar o nosso olhar para essa mão invisível que conhece o nosso destino e dá sentido à nossa vida. O destino para onde essa mão nos aponta nem sempre coincide com o que imaginamos, mas certamente é muito melhor.

Uma sincera homenagem às vítimas do Covid.

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